165 ANOS DE PRESENÇA CONSULAR NO ESTADO DE SÃO PAULO
(1860 – 2025)
À LUZ DA IMIGRAÇÃO SUÍÇA

A Suíça e São Paulo

165 anos de presença consular no Estado de São Paulo (1860 – 2025) – à luz da imigração suíça.

Sylvie Doriot Galofaro, a partir de pesquisa realizada de maio 2023 a fevereiro 2025.

Sumário

INTRODUÇÃO

Mais de um século e meio, 165 anos para se mais preciso, de presença consular suíça no Estado de São Paulo. Esta longa e pouco conhecida história está em ressonância com as etapas da imigração suíça no Brasil, que se iniciou antes de 1860, ano da abertura de uma agência consular na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. Quanto ao resto do Brasil, uma atividade consular suíça existia na cidade do Rio de Janeiro desde 1819, onde um consulado seria instalado em 1829, antes de se tornar consulado-geral em 1841; um consulado suíço já tinha sido aberto em Recife, Estado de Pernambuco em 1828, em Salvador, no Estado da Bahia, em 1833, no Pará em 1843, no Rio Grande do Sul, em 1859, em Desterro/PB, em 1861, em Curitiba, em 1908 (fechado entre 1913 e 1923). No que se refere ao Estado de São Paulo, a presença consular suíça se deu a partir de 1860, em Campinas, estendendo-se, em 1891, a Santos, e posteriormente, em 1903, na cidade de São Paulo, inicialmente como vice-consulado, em 1908, como consulado, até tornar-se Consulado-Geral em 1953.

A primeira parte deste texto está focada no século XIX, e descreve os movimentos principais da imigração dos “colonos” suíços (o termo “colono” era então utilizado para falar dos imigrantes) no Estado de São Paulo, seguindo os primeiros passos da presença consular neste Estado.

A segunda parte aborda o desenvolvimento da presença consular suíça na cidade de São Paulo, a partir do século XX, destacando algumas personalidades suíças que deixaram suas marcas na história e desenvolvimento do Brasil, dando um panorama da presença institucional suíça em São Paulo.


Reprodução de Mapa mostrando distribuição da cultura de café no Estado de São Paulo para o ano 1901 – Guilherme Gaensly/Museu Paulista da USP/Coleção João Baptista de Campos Aguirra.
Créditos da foto: Helio Nobre/José Rosael

1ª Parte: 1817 – 1903. Da instalação dos primeiros colonos suíços ao início da presença consular no Estado de São Paulo, de Campinas (1860) a Santos (1892).

Antes de alcançar o Estado de São Paulo, a imigração suíça chegou ao Estado do Rio de Janeiro. Aqui seus principais elementos, que terão uma influência definitiva sobre a posterior imigração no Estado de São Paulo.

  1) 1817–1850: Primeiramente o Rio de Janeiro:  Nova Friburgo e o Cônsul-geral Charles-Perret Gentil

  1819-1821: Chegada dos suíços a Nova Friburgo

Depois de seu decreto de 1808 “de abertura dos portos brasileiros às nações amigas”, o rei de Portugal Dom João VI, após deixar Portugal, abre o Brasil ao comércio, particularmente britânico. Ele busca atrair os imigrantes europeus, permitindo-lhes o acesso à propriedade da terra, a partir de 1818 confere concessões aos imigrantes suíços (decreto de 6 de maio de 1818, relativo à compra da Fazenda do Morro Queimado, em Nova Friburgo, para estabelecer ali uma das colônias suíças). Neste momento, apenas o Estado da Bahia e do Rio de Janeiro assistem à chegada dos imigrantes suíços ao Brasil. As melhores terras no litoral já tinham sido distribuídas (segundo o historiador suíço Gérald Arlettaz), desta forma, os colonos suíços tiveram que se retirar para o interior do país, onde o cultivo da terra era difícil, considerando ainda mais que as vias de comunicação eram inexistentes. As propriedades eram fragmentadas e poucas leis eram favoráveis aos credores, o que irá levar a um certo atraso para que estes primeiros colonos suíços possam sair da miséria. Uma exceção, Auguste Frédéric de Meuron (1789-1852) original de Neuchâtel, que será um dos primeiros a desenvolver uma indústria na Bahia já em 1817, com sua fábrica de rapé Arêa Preta, um exemplo de sucesso industrial no início do século XIX (Sylvie Doriot, 2024).

Para partir para o Brasil, os emigrantes assinavam um termo de compromisso redigido por Sébastien Nicolas Gachet, agente do governo friburguense de Gruyère, e Jean-Baptiste-Jerôme Bremond, Cônsul de Portugal em Berna. Como a Confederação Suíça ainda não tinha representação diplomática na Corte do Rio de Janeiro, Gachet, natural de Friburgo, fez com que a assinatura do Avoyer do Cantão e da República fosse legalizada em 1817 pelo “Representante suíço em Paris e por D. Francisco José Maria de Brito, plenipotenciário de Portugal junto à Luis XVIII”. (Ver bibliografia AF-Arquivos Federais, Berna AF 1819 e PARANHOS 1968).

Um acordo previa a “subordinação dos suíços ao Rei” (de Portugal neste momento) e a instalação de cem famílias, ou seja, entre 600 e 650 pessoas. No entanto, o número será muito mais elevado em 1819, com 1.682 passageiros, que viajaram e atravessaram o Atlântico em condições insalubres, seguindo-se o “calvário” da caminhada de 180 km pelas montanhas entre o Rio e a cidade de Nova Friburgo, fundada em 1818 pelo rei de Portugal Dom João VI e colonizada pelos suíços em 1819. Os colonos vieram especialmente do cantão de Friburgo, seguidos por outros imigrantes dos cantões de Valais, Vaud, Solothurn, Berna, Lucerna e Argóvia. As dificuldades de sobrevivência levaram à criação da Sociedade Filantrópica Suíça do Rio em 1821. Só em 1880 é que a mesma sociedade filantrópica será criada em São Paulo.

  1822: Independência do Brasil, o Império de D. Pedro I (1822-1831) e a Regência (1831-1840)

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I declara a independência do Brasil, separando-se de Portugal. Foi proclamado “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”, em 12 de outubro de 1822. Seu pai, D. João VI, que amava o Brasil, já tinha saído de Portugal em 1808, fugindo das guerras napoleônicas, tendo regressado em 1821. Em 1831, D. Pedro I abdica a favor do seu filho, o futuro D. Pedro II, ainda menor de idade. O governo brasileiro passou então a ser regencial (1831-1840), influenciado pelos fazendeiros ou grandes proprietários de terras.

  A partir de 1839: o Cônsul da Suíça Charles-Perret Gentil no Rio de Janeiro, futuro promotor da colonização no Estado de São Paulo

Charles Perret-Gentil, nascido em Vevey, mas originário de Neuchâtel, foi nomeado “cônsul suíço” ou cônsul honorário no Rio em 1839. Naquela época, todos os cônsules suíços no Brasil eram cônsules honorários. Sob sua presidência, ele reorganizou a Sociedade Filantrópica Suíça do Rio de Janeiro. Em 1840, ela contava com 68 membros. Essa sociedade só era mantida com a generosidade de seus membros, que eram aproximadamente o mesmo número de cidadãos suíços residentes no Rio de Janeiro.

Uma “Carta de Plenos Poderes”, datada de 18 de junho de 1842, foi concedida a Charles Perret-Gentil, que se tornará Cônsul-geral, para negociar e assinar o Tratado Especial sobre Relações Comerciais entre a Suíça e o Brasil. O documento, em francês, foi assinado pelo Chanceler da Confederação Suíça e encontra-se no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro (ver bibliografia).

2)1850-1860: Crescimento da imigração suíça no Estado de São Paulo, o sistema de “parceria”

No contexto do movimento abolicionista, em 4 de setembro de 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, ministro da Justiça, que proibiu definitivamente o tráfico negreiro, A grande dependência dessa mão de obra, que desde o século XVI trouxe quase 5 milhões de africanos para o Brasil, foi sendo substituída pelo trabalho dos imigrantes europeus.  

Sob a liderança do senador Nicolas Vergueiro e do Cônsul-geral Charles Perret-Gentil, a partir de 1851, famílias suíças começam a se estabelecer no interior de São Paulo, em torno de Campinas, berço da imigração iniciada com os portugueses em 1842. O café trouxe fortuna aos fazendeiros do vale do rio Paraíba, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Eles se aventuraram na região em torno da cidade de Campinas, onde precisavam de mão de obra agrícola para colher café.

Guilherme Gaensly Colheita de café à São Paulo, IMS: as plantações de café de Araraquara, Ribeirão Preto, Campinas,
São Manoel et Santa Cruz das Palmeiras, no interior do Estado de São Paulo.

  O senador Vergueiro, o sistema de “parceria” e o apoio do Cônsul-geral no Rio de Janeiro Charles-Perret

Tudo começou com o senador brasileiro Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859), que convidou Charles Perret-Gentil para sua fazenda em Ibicaba em 1846, quando ele ainda era Cônsul-geral no Rio de Janeiro. O senador Nicolau Vergueiro era influente. Ele era contra os assentamentos oficiais do tipo Nova Friburgo, que considerava um fracasso. Ele preferia o sistema conhecido como parceria: o colono não era dono da terra, nem recebia um salário fixo, mas tinha parte da colheita à sua disposição para atender às suas próprias necessidades. O excedente, se houvesse, era compartilhado entre o proprietário e o colono, que poderia, assim, financiar as dívidas geradas pelos custos de sua imigração e, por fim, tornar-se o proprietário do lote de terra. Entretanto, na realidade, essa divisão muitas vezes mostrou-se ineficaz para permitir que os colonos pagassem suas dívidas.

Contrato Vergueiro 1847-1857 Sistema de parceria para imigração.

Entre 1847 e 1857, o senador Vergueiro conseguiu assentar 180 famílias europeias que assinaram um contrato detalhado com todas as regras, exigências e contrapartidas em troca de um lote de terra para cultivar, arquivo da autora.

Em 1817, o senador Nicolau Vergueiro mudou-se para sua fazenda em Ibicaba, que significa “terra fértil” na língua indígena tupi. Em Ibicaba, localizada em Limeira (hoje Cordeirópolis, não muito longe de Campinas), o cultivo da terra começou com a cana-de-açúcar, depois café e amoreiras com bichos-da-seda. Sua fazenda, que inicialmente empregava sete famílias de colonos e 215 escravos, tornou-se o berço da colonização no Estado de São Paulo em 1846.

Ele convidou Charles Perret-Gentil, o cônsul-geral da Suíça no Rio de Janeiro, para visitar a fazenda. De acordo com Perret-Gentil, a ideia era substituir os escravos, que não estavam suficientemente comprometidos com o trabalho na terra, por colonos livres. Perret-Gentil estava convencido de que a colonização introduzida pelo Senador Vergueiro foi exemplar em mais de um aspecto para os colonos, que puderam enriquecer no processo. Acima de tudo, ele afirmou que, graças à colonização europeia, a escravidão não era mais necessária após 1850.

Retrato do senador Nicolau Vergueiro.

Henrique Manzo, Fazenda Ibicaba – Limeira, 1845, Acervo do Museu Paulista da USP, óleo sobre tela, 1943,57X94 cm.

  A partir de 1850, multiplicação das colônias suíças no Estado de São Paulo

Após a Guerra de Sonderbund na Suíça, em 1847, que provocou uma divisão entre os cantões católicos conservadores e os protestantes progressistas, juntamente com uma crise econômica, vários suíços – a maioria deles pobres – decidiram deixar a Suíça. Agentes de emigração lhes prometeram lotes de terra e uma vida melhor no Brasil. Esses anúncios convidavam famílias suíças e alemãs a tentarem a sorte e estabelecerem uma colônia em Limeira, perto da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. As cidades de Limeira, Rio Claro, Amparo, Jundiaí, Pirassununga e Piracicaba abrigavam 26 colônias de imigrantes europeus, nas quais foram registradas 251 famílias suíças.

O cônsul-geral Charles Perret-Gentil achava que “a superpopulação da Suíça está forçando algumas pessoas a emigrarem”. Como solução para essa superpopulação, ele propôs organizar a colonização estabelecendo uma agência no Brasil, gerenciando-a ele mesmo.  A partir de 1850, Charles Perret-Gentil também se tornou um pioneiro da imigração suíça para o Estado de São Paulo. Tomou iniciativas como a compra de terras no Estado de São Paulo, para estabelecer a Colônia Superaguy, na “Ilha das Peças” (que se tornou parte do Estado do Paraná em 1853) em colaboração com o Senador José Vergueiro, filho do Senador Nicolau Vergueiro. Vinte anos depois, não havia mais do que 420 pessoas.


William Michaud (1829-1902), um pintor do cantão de Vaud que emigrou para o Brasil, pintou e escreveu muito sobre Superaguy.
O Musée historique de Vevey/Suíça dedicou uma exposição a ele em 2024, no local da casa de seu pai.

Afresco de William Michaud de vinhedos na Colônia do Superaguy

O cônsul Charles Perret-Gentil planejou um assentamento de emigrantes na península de Superaguy, localizada no canal de mesmo nome, na entrada do Golfo de Paranaguá, no estado do Paraná.

Em 1851, ele renunciou ao cargo de cônsul para fundar uma agência geral de emigração em Santos com o senador Vergueiro. A partir de então, eles se dedicaram à imigração e à colonização, embora ele pudesse ser encontrado nos arquivos do Consulado Suíço no Rio enquanto aguardava um substituto. Isso foi feito por Heinrich David, Cônsul-geral até 1858, seguido por Eugène Emile Raffard, de 1859 a 1901. Todos esses cônsules-gerais colaboraram com Vergueiro pai e filho. Nicolau Vergueiro mandou imprimir pôsteres para a Alemanha e a Suíça para lançar uma campanha a favor da imigração, que rapidamente causou impacto. Ela foi apoiada por agentes de emigração e escritórios em vários lugares.

Em 20 de maio de 1851, Charles-Perret Gentil enviou um relatório sobre os hábitos dos colonos, sua alimentação e seu trabalho, no qual ficamos sabendo que eles se levantavam entre 6h e 6h30 da manhã, mas ele achava que deveriam se levantar mais cedo para aproveitar o frescor do dia e depois descansar quando o sol estivesse muito quente. São fornecidos muitos detalhes sobre o que eles cultivam, como milho e mandioca, sendo as batatas mais difíceis de cultivar porque as formigas as apodreciam. Eles também plantavam folhas de tabaco para consumo próprio (apêndices 1851, AF 1. Colonie Sénateur Vergueiro e 2. Habitudes, Nourritures et Travail, de Charles Perret-Gentil, arquivo digital Sylvie Doriot). Pouco tempo depois, Perret-Gentil tornou-se administrador da colônia de Ibicaba.

Entre 1850 e 1855, mais de 2.000 suíços, incentivados pela propaganda brasileira e pelas comunas suíças, que também viam uma maneira de se livrar de seus “indigentes”, embarcaram para o Brasil, na esperança de encontrar um eldorado com o sistema de parceria.

3)1850-1860: Reinvindicações, enviados especiais das autoridades suíças, Davatz e a Revolta de Ibicaba, Tschudi, intervenção do Conselho Federal

  As reclamações suíças crescem contra o sistema de “parceria”

No entanto, as coisas não estão indo de acordo com o planejado para os imigrantes e as condições estão se deteriorando. Em vez da liberdade e do progresso que esperavam, eles se depararam com o agravamento da dependência financeira. O contrato era rígido e definia o número de pés de café para cada imigrante, com permissão para cultivar produtos agrícolas para sua subsistência, e o preço a ser pago pelo excedente ao proprietário da fazenda. Esse sistema de parceria registrava as dívidas que os colonos tinham de pagar por suas despesas de viagem, com juros de 6% ao ano, bem como as compras dos fazendeiros de gêneros alimentícios que não vinham da terra, mas que eles tinham de pagar, como sal ou farinha. Portanto, a dependência econômica era grande.

O sistema de parceria não se mostrou favorável aos imigrantes suíços. As reclamações chegaram a lugares distantes como Berna, e o Conselho Federal interveio para tentar aliviar o sofrimento dos emigrantes. Já em 1852, o governo suíço chamava a atenção do público “para os perigos desses empreendimentos baseados em promessas de participação nos lucros do trabalho”. As reclamações dos colonos e as advertências do Cônsul-geral Heinrich David em 1856 foram publicadas em um relatório em 1857-1858 sobre “A questão da emigração”, como veremos a seguir (AF Document émigration, 1858). Mas primeiro vamos tentar entender como as coisas funcionaram para os colonos.

  1856: Thomas Davatz e a Revolta de Ibicaba, na fazenda de Vergueiro

Em junho de 1855, um grupo de imigrantes suíços desembarcou em Santos do navio Kronprinz Ernest August. A bordo estava o professor de escola secundária Thomas Davatz (1815-1888), natural de Grisões, que descreveu como o grupo suíço havia caminhado por 17 dias do mar até a fazenda Ibicaba, atravessando a floresta: em uma “caravana”, a pé, com exceção das crianças, que foram montadas em mulas ou carros de boi. A jornada é descrita como heroica, lembrando a dos pioneiros, os primeiros colonizadores de Nova Friburgo. As doenças, as enchentes, o clima úmido, os insetos, as aranhas, as cobras, a vida na fazenda, que consistia em colher café com a ajuda de escravos, tudo era novo para eles. Muitos não tinham experiência em agricultura e as dificuldades aumentavam com a falta de familiaridade com o trabalho na terra. Ibicaba, a principal propriedade do Senador Vergueiro, é uma colônia que remonta a 1847, onde 90 famílias alemãs e suíças, entre outras, se estabeleceram, como mencionado acima, com a ajuda do Cônsul-geral da Suíça no Rio de Janeiro, Charles Perret-Gentil.

Como todos os outros, Davatz tinha o sonho de se tornar um colono próspero, mas também tinha uma missão, pois, antes de viajar, ficou acordada a necessidade de escrever um relatório secreto para as autoridades de seu cantão, a fim de mostrar a verdadeira situação dos suíços na fazenda. Depois de aprender português, ele se tornou administrador da colônia, além de ser o guia espiritual dos protestantes. A contabilidade parecia suspeita e os colonos se sentiram enganados. Davatz enviou seu relatório secreto para a Suíça, denunciando não só a injustiça dos acordos entre os colonos e os proprietários de terras, mas também as condições de trabalho análogas à escravidão. Ele esteve por trás da “Revolta de Ibicaba”, em 1856, contra o sistema de parceria e o senador Vergueiro. Davatz reivindicou melhores condições para os colonos suíços em seu livro Memórias de um colono suíço no Brasil, considerado pelo famoso escritor brasileiro Mario de Andrade como uma das obras fundamentais da história brasileira. A revolta não causou vítimas e levou a melhorias nas condições de trabalho dos imigrantes suíços.

Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil (capa de seu livro, 1850).

Em 1856, o Cônsul-geral Heinrich David, no Rio, escreveu aos emigrantes para mostrar-lhes que sua dívida havia aumentado 46% em quatro anos. A dívida de cada colono havia aumentado de 1720 para 2516 francos suíços – da época.

  1857: Intervenção oficial do Conselho Federal suíço para proteger os emigrantes suíços

Em 2 de dezembro de 1857, “pela primeira vez, o Conselho Federal decidiu intervir oficialmente nas questões de emigração. Ele procurou energicamente o Ministério das Relações Exteriores do Brasil para cooperar “na emancipação dos colonos”. Assim, graças ao seu Cônsul-geral no Rio de Janeiro, Heinrich David, a Confederação analisou “o sistema de exploração estabelecido pelos grandes proprietários de terras, que tendia a substituir os escravos negros por colonos europeus cujo preço era dez vezes menor. Em 31 de julho de 1858, a Assembleia Federal instruiu o Conselho Federal a insistir energicamente junto ao governo brasileiro para que os colonos suíços fossem colocados em uma posição melhor”. (AF Documento emigração, 1858). Este Documento integra uma série de relatórios do Cônsul-geral da Suíça no Rio de Janeiro ao Conselho Federal sobre a emigração para o Brasil (1857); ele também apresenta as respostas da Legação Brasileira às questões levantadas pelo Cônsul-geral Heinrich David ou pelos enviados especiais da Confederação. Esse Documento de arquivo, publicado pela Confederação Suíça em 1858, contém 60 páginas de cartas manuscritas enviadas pelas várias partes envolvidas na diplomacia entre a Suíça e o Brasil sobre a questão da emigração (apêndice 3 1856 AF, H. David, carta resumida, arquivo digital Sylvie Doriot e publicado no Documento 1858).

O Cônsul-geral da Suíça no Rio ressaltou que a questão da emigração ainda não havia sido resolvida. E acrescentou outro argumento contra a colonização: “Os 18 milhões que o Parlamento destinou para o avanço da colonização serão usados para fornecer aos fazendeiros escravos brancos em vez de escravos negros”.  O governo suíço solicita “a poderosa intervenção do governo de Sua Majestade o Imperador, para que os colonos suíços contratados pelos Srs. Vergueiro e Cia. possam ser libertados de sua escravidão e transportados, se isso lhes convier, para terras do Estado”.

1858: “Reclamações exageradas” diz o Brasil

Em 1855, o governo brasileiro nomeou seu primeiro representante diplomático, o brasileiro José Francisco Guimarães, como cônsul em Berna. O Encarregado de Negócios do Brasil, A. Loureiro na Suíça, no Document sobre emigração (1858) publicado pelo governo suíço, concluiu que as queixas tinham sido exageradas pelos colonos suíços e que a fazenda Vergueiro havia colaborado de boa vontade com a vistoria realizada pelos enviados especiais (Apêndice 5, AF 1858, A. Loureiro, arquivo digital Sylvie Doriot). Na verdade, as “agências de imigração” e as “comunas de origem” suíças que enviavam pessoas inadequadas para o trabalho agrícola (ex-presidiários, soldados, desocupados, cegos, manetas etc.).

De acordo com o Dr. Heusser (1857, veja abaixo), “homens saudáveis devem, portanto, alimentar os idosos e os desamparados”, e ele acrescenta que, com o sistema de parceria, os colonos conseguem sobreviver, como demonstrado pelos 99 colonos que conseguiram comprar seu lote de terra. Na colônia S. Jeronymo, no município de Limeira, uma das 26 colônias do Estado de São Paulo, composta por europeus e brasileiros, há até uma escola onde se ensina alemão. O gerente de negócios A. Loureiro concluiu que houve uma boa colaboração entre o Império Brasileiro, que demonstrou tanta preocupação com os colonos, e o governo suíço, que estava oficializando esses relatórios ao publicá-los, na esperança de que a questão da emigração fosse resolvida.

  1859-1860: O Conselho Federal e seus enviados especiais, Dr Heusser et Jean-Jacques von Tschudi

Uma carta do Cônsul-geral do Rio, Eugène Emile Raffard, ao presidente da Confederação Suíça, o bernês Jakob Stämpfli, datada de 5 de abril de 1859, descrevia as dificuldades enfrentadas pelos colonos e pedia ao presidente que interrompesse a emigração para o Brasil “até que o governo de Sua Majestade Imperial tomasse medidas enérgicas e salutares para garantir o destino e o futuro dos colonos”. (Apêndice 6 1859 Eug. Emile Raffard, extrato).

Por duas vezes, o governo suíço enviou enviados especiais ao Brasil para verificar as alegações de seus compatriotas. O primeiro veio de Zurique, o Dr. Heusser, que admirava o senador Vergueiro e não achava que os colonos haviam sido prejudicados – pelo contrário. O segundo, o naturalista do cantão de Glarus Jean-Jacques von Tschudi (1818-1889), como ele mesmo se chamava, estudou na Universidade de Zurique e depois em Neuchâtel, onde conheceu Louis-Agassiz. Depois de conhecer Louis-Agassiz, ele começou a estudar fósseis no Peru, em 1838, e no Brasil, em 1857. Em 1860, ele foi enviado em uma missão especial pelo Conselho Federal e escreveu suas observações em um livro intitulado Reisen durch Südamerika/Viajando pela América do Sul (publicado em 1871), no qual relatou a história dos imigrantes na América do Sul. Mais tarde, ele se tornou diplomata (ministro suíço) em Viena.

O Dr. Heusser visitou as colônias suíças em 1857 e Jean-Jacques von Tschudi entre 1860 e 1861, ou seja, na época das atividades de Vergueiro e Perret-Gentil e da primeira emigração do cantão suíço de Obwalden para o “Sitio Grande”, perto de Campinas, no Estado de São Paulo, que se tornaria a Colônia Helvetia. O governo brasileiro revê sua posição e dá à Suíça garantias de que se esforçará para pôr fim às reclamações dos colonos. Os cantões queriam forçar Vergueiro a reembolsar os adiantamentos feitos pelos municípios suíços.

Tschudi também observou que, além da colônia do Senador Vergueiro, havia suíços em outras cidades paulistas, como Campinas, Mogi Mirim, Ubatuba e Taubaté. Em Jundiaí e nas cidades de Limeira, Rio Claro e Piracicaba havia uma concentração de colônias formadas de acordo com o modelo de parceria, com um caso exemplar: a Fazenda Sitio Grande, próxima a Campinas e de propriedade de Antonio de Queiroz Telles, o Barão de Jundiaí, que seria a origem da Colônia Helvetia (veja abaixo).

Jean-Jacques von Tschudi.

4) 1860–1871: Restrição à emigração suíça

  1860: Repercussão dos relatórios Davatz et Tschudi, interdição à emigração para o Brasil

A repercussão dos relatórios de Davatz em 1856 e Tschudi em 1860 foi real e, desde 1860, o fluxo de emigrantes em massa foi severamente restringido ou até mesmo proibido pelos países europeus. Em 1859, o Cônsul-geral no Rio de Janeiro, Eugène Raffard, retomou esses argumentos para uma reivindicação coletiva europeia de proibição da emigração (Apêndice 6 1859, AF, arquivo digital Sylvie Doriot).

Os anos entre 1850 e 1865 não se restringem apenas ao sistema de parceria, mas também não foram anos felizes para os colonos suíços, que estavam sob o controle de grandes proprietários de terras e especuladores, em uma época em que a infraestrutura de comunicações ainda estava em seus primórdios.

  1870: A guerra na Europa limita a emigração

O ano de 1870 marcou o fim da guerra do Paraguai contra o Brasil, e o Cônsul-geral no Rio de Janeiro, Eugène Emile Raffard, fez questão de contar ao Presidente da Suíça sobre a vitória do Brasil. A guerra franco-prussiana na Europa também foi mencionada por esse mesmo cônsul, que observou que ela impedia mais emigração para o Brasil. Em uma carta datada de 6 de maio de 1871, Emile Eugène Raffard expressou sua gratidão ao Conselho Federal pelo subsídio anual de 9.000 francos suíços fornecido pelo Consulado-Geral da Suíça no Rio de Janeiro por meio da Maison Pury & compagnie de Neuchâtel, “como antes”.

  1871: Proibição do recrutamento de compatriotas suíços para o Brasil e a lei do “ventre livre”

Uma carta ou “circular para agentes de emigração”, na terminologia usada, datada de 31 de agosto de 1871 e mantida nos Arquivos Federais em Berna, informava o governo “por meio de seus representantes sobre a situação deplorável em que nossos compatriotas nacionais se encontram no Brasil. Consequentemente, os Ministros das Relações Exteriores e do Interior decidiram que, até segunda ordem, o recrutamento de nossos nacionais para o Brasil será proibido a todas as agências de emigração “

No Brasil, no mesmo ano, a lei do “ventre livre”, promulgada em 28 de setembro de 1871, libertou todas as crianças nascidas de escravos, o que levou a uma retomada da propaganda brasileira em favor da imigração. Entretanto, desde a missão de Tschudi e a fundação na Suíça de uma Sociedade Suíça de Emigração em 1865, a conscientização sobre a situação dos emigrantes aumentou. O Conselho Federal alertou o público sobre os perigos da expatriação. Mas as comunas suíças também pareciam ter desempenhado “um triste papel” ao se livrarem de “burgueses inconvenientes”, de acordo com os arquivos federais citados pelo historiador Gérald Arlettaz. A colonização brasileira não estava mais bem preparada do que em 1850, e os cônsules suíços residentes na Bahia e em Pernambuco desaconselharam a imigração para suas regiões até que “a mentalidade escravocrata tivesse desaparecido”: “Os fazendeiros não teriam nem sequer o mesmo cuidado com esses trabalhadores que têm com seus escravos, que são propriedade preciosa, e não há nada na legislação que possa proteger efetivamente o trabalhador europeu”, segundo Arlettaz (1979).

O Cônsul-geral da Suíça no Rio de Janeiro, Eugène Emile Raffard, escreveu ao Conselho Federal, em 6 de outubro de 1871 para informar sobre essa nova lei do “ventre livre”:

 “Prezado Sr. Presidente

Tenho a honra de informá-lo de que a Câmara dos Deputados e o Senado deste império, em suas últimas sessões, tomaram uma decisão importante sobre a questão da escravidão no Brasil.

Todas as crianças nascidas de escravos serão livres. Se a emancipação completa dos escravos não foi votada, é porque tal medida não poderia ser adotada sem perturbar os grandes e sérios interesses em jogo; no entanto, não se pode negar que esse é um grande passo para a libertação de todos sem distinção e, no espírito geral não há dúvida de que, em um futuro mais ou menos distante, outras disposições, não menos humanas do que a que foi decretada, selarão essa obra de progresso e civilização.

Para alcançar esse resultado, o imposto do governo sobre os escravos será aplicado a partir de agora para a emancipação gradual da escravidão, à qual serão adicionadas as subscrições voluntárias de todos os homens generosos. […]

O Consulado Geral […] juntamente com seus colegas, apressou-se em parabenizar o Governo Imperial por esse ato de grande alcance, que será justamente apreciado por todas as nações, e pela nação que tenho a honra de representar em particular […] (apêndice 8 1871, AF, arquivo digital Sylvie Doriot).

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão em 1888, depois da Inglaterra em 1833, da França em 1848 e dos Estados Unidos em 1865.

5)1850–1876: A imigração se estende ao Sul do país, nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul

Outras imigrações suíças estão ocorrendo paralelamente no país. Em 1851, uma colônia suíça originária do cantão de Schaffhausen se estabeleceu no Estado de Santa Catarina, a futura Joinville. Hoje, a cruz suíça está representada na bandeira de Joinville, testemunhando essa herança histórica.

No extremo sul do país, no Rio Grande do Sul, famílias de imigrantes valesanos estão se estabelecendo em grande número. As primeiras ondas de emigração do cantão suíço do Valais começaram em 1874, 1875 e 1876 e afetaram as comunas de Charrat, Saxon e Vouvry, a emigração do Valais continuou nas décadas seguintes, de acordo com Adonis Valdir Fauth (1942). Os compatriotas se estabeleceram primeiramente na região de Caxias do Sul e ajudaram a colonizar e desenvolver esta região do sul do Brasil, segundo Fauth, que também foi o primeiro presidente da Associação “Valesanos do mundo/Les Valaisans du monde”, fundada em 1992 após as comemorações dos 700 anos da Confederação Suíça. Esses primeiros emigrantes do Valais seguiram para o Rio Grande do Sul e estados vizinhos. A associação estima atualmente que “a população de origem valesana que, a quase dez mil quilômetros de sua antiga terra natal, ostenta nomes característicos do nosso país” soma vários milhares de pessoas.

Novos imigrantes se estabelecem no Sul do país. As marcas suíças estão na bandeira de Joinville
e na história dos valesanos que seguiram para o Rio Grande do Sul e estados vizinhos. Foto: Divulgação ASVB

6)1854–1888: Uma colônia emblemática: de Sítio Grande à Colônia Helvetia (1888)

Muitas das fazendas que hospedam suíços encontram-se na região de Indaiatuba, perto de Campinas. Por exemplo, a fazenda de S. Joaquim, pertencente ao Tenente Coronel Joaquim Benedicto de Queiroz Telles, localizada no município de Jundiaí e que é constituída por 7 famílias suíço-alemãs com 34 pessoas, “regulada pelo contrato da casa Vergueiro e Comp. » (AF Documentos de Emigração 1858). Ainda na mesma região, a colônia de Santo Antônio, fundada pelo “Comandante Antônio de Queiroz Telles” é composta por 14 famílias suíço-alemãs com 68 pessoas com o mesmo contrato. A colônia São José da Lagoa, na Fazenda de mesmo nome, é de propriedade do Coronel Antonio Joaquim Pereira Guimarães e abriga sete famílias suíças e alemãs com 38 pessoas. O contrato de “parceria” é sempre o mesmo.

A Fazenda Sítio Grande, próxima a Campinas e de propriedade de Antonio de Queiroz Telles, Barão de Jundiaí, é emblemática da presença suíça no Estado de São Paulo. Foi nesta colônia que um grupo de 26 famílias suíças e católicas originárias do cantão de Obwalden chegou em 1854. Após a interrupção da imigração, segundo os relatos de Davatz e Tschudi, outros imigrantes chegaram no início da década de 1880, totalizando cerca de 500 pessoas, para trabalhar nas fazendas de café da região de Jundiaí e Campinas. Essas famílias dificilmente se misturavam com a colônia protestante da Fazenda Ibicaba, embora esta fosse próxima.

Sítio Grande, Fazenda Luz com a terra ou terreiro onde colonos e escravos se cruzavam para secar café, foto Sylvie Doriot, junho de 2023.

Sítio Grande hoje com as casas em ruínas, foto Sylvie Doriot, junho de 2023.

1888 Fundação da Colônia Helvetia e a abolição da escravatura

Em 13 de maio de1888 foi declarada a abolição da escravatura no Brasil, através da promulgação da Lei Áurea, o decreto dessa lei foi a conclusão de um processo de luta do movimento abolicionista, da sociedade civil e dos escravos durante as décadas de 1870 e 1880 para que a escravidão fosse abolida.  Mais de 700 mil escravizados conquistaram sua liberdade e a responsável por assinar esse documento foi a princesa Isabel, na época, herdeira do trono do Brasil. A princesa já tinha assinado em  20 de setembro de 1871 a Lei do Ventre Livre, determinando que os filhos de toda mulher escrava que nascessem no Império desde a data dessa lei, seriam considerados de condição livre.

A dissolução da colônia do Sítio Grande em 1887 está ligada à abolição da escravatura em 1888. De fato, o impacto econômico da abolição e as tensões sociais resultantes, à medida que o Império também entrava em colapso para se tornar uma República, levaram à desvalorização da terra para os barões do café. Muitas famílias suíças puderam então adquirir terras nas proximidades do Sítio Grande ou expandir suas terras, como foi o caso das famílias von Zuben, Sigrist, Amstalden (Remigio), Fanger, Ifanger, Degelo, Zumstein, von Ah (Joseph), Jakober, Britschgi, Hofstetter, Burch, Schali, Langensand, entre outras, segundo Avila (2019). Outros se mudaram para as fronteiras agrícolas do Estado de São Paulo, como a família Wolf.

Em 14 de abril de 1888, as quatro famílias originárias de Obwalden, Amstalden, Ambiel, Bannwart e Wolf decidiram comprar o Sítio Capivari Mirim, uma fazenda com 463 alqueires (187.369 hectares), e assim nasceu a Colônia Helvetia. A população inicial era composta por apenas 34 pessoas. Com o tempo, as famílias prosperaram e os colonos sentiram a necessidade de um local adequado para a educação das crianças, prática religiosa e esportes.

Mapa de Helvetia 1895, arquivo da autora, colônia de Helvetia.

Nova sede da Sociedade de Tiro ao Alvo, 1935

A Sociedade de Tiro, fundada em 1885, preserva a tradição de esportes de tiro, como o Armbrust (besta). A escola São Nicolau de Flüe, fundada em 1893 e mantida pela colônia até a década de 1980, era responsável pela educação acadêmica e cívica das crianças imigrantes. Durante a primeira imigração em 1854, não havia escola e os descendentes dos colonos sofriam de analfabetismo, segundo Sigrist (1988). A Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, consagrada em 1899, era o centro das atividades da colônia. Ela ainda está lá.

À esq. Igreja de Nossa Senhora de Lourdes e o sítio de Helvetia hoje, foto S. Doriot, junho de 2023. À dir. Igreja Helvetia, Técnica mista por Silvia Amstaden, 2009 – Acervo Silvia Amstaden.

A história destes imigrantes revela um respeito especial por sua herança histórica, cultural e religiosa. Eles buscam disseminar as tradições de seu país de origem por meio da música, da dança, do canto iodelei (o Jodlerklub foi fundado em 2001) e da culinária suíça, que pode ser apreciada principalmente por ocasião da “Festa da Tradição”, que comemora em 1º de agosto a Data Nacional Suíça, e anualmente reúne cerca de 10.000 pessoas.

O preço da grande travessia dos emigrantes de Obwalden até o Sítio Grande (1854)

Após uma cuidadosa pesquisa no Brasil, os nomes dessas 26 famílias de Obwalden, que chegaram ao Sítio Grande em 1854, e de mais algumas pessoas solteiras são listados por Weizinger (2005). Assim, mais de 150 pessoas decidiram emigrar e deixaram tudo para ir para o Brasil. Eles foram recebidos pela companhia Vergueiro em Santos e acompanhados pelo Comandante Antonio de Queiroz Telles (Barão de Jundiaí). Ele os trouxe para sua propriedade em Jundiaí para trabalhar em várias fazendas, incluindo Sítio Grande, enquanto outros colonos foram para outras localidades como Angélica, São Joaquim e muitas outras fazendas no Estado de São Paulo.

A viagem era feita de navio a vapor e durava 62 dias, de Hamburgo a Santos. Em alto mar, 35 pessoas morreram, a maioria crianças. Quando a colônia foi estabelecida, outras 24 pessoas morreram em um curto espaço de tempo. A duração total da viagem, desde o início em Obwalden e todas as paradas de Hamburgo até Santos e os 20 dias de viagem terrestre, durou 4 meses, de acordo com os documentos da família Zuben. Muitas famílias são compostas por nove a onze pessoas. Os Wolfs têm nove filhos e os Sigrists, oito.

A taxa de travessia era de 256,80 francos suíços, um preço alto na época para uma criança com mais de 8 anos que pagava o preço integral. A isto se soma a viagem até Hamburgo, num total de 1.849,36 francos suíços, segundo Weizinger (2005). O total para a família von Zuben chega a 2.482,31 francos suíços, o que resulta em uma dívida que o colono deve reconhecer assinando um contrato, pago em quatro parcelas, para a empresa Vergueiro & Cie e seu agente em Hamburgo Dr. F. Schmidt.

7)1860–1892: Presença consular em São Paulo, de Campinas à transferência para Santos, e a Convenção Consular Suíça-Brasil

1860 Abertura de uma agência consular com Georg G. H. Krug na cidade de Campinas no Estado de São Paulo, até sua transformação em Vice-consulado (1861 -1891)

O enviado especial da Confederação, Jean-Jacques von Tschudi, relata sua missão ao Conselho Federal e propõe a criação de um Vice-Consulado para a província de São Paulo. Em 1860, foi aberta uma repartição consular em Campinas, transformada em Vice-Consulado no ano seguinte. O primeiro vice-cônsul será, por recomendação de Tschudi, Georg G. H. Krug, um farmacêutico alemão. A cidade de Campinas foi escolhida pela sua relativa proximidade com as primeiras colônias onde os suíços se concentraram no Estado de São Paulo.

1861 Convenção Consular entre a Suíça e o Brasil

Em 9 de novembro de 1861, foi assinada uma convenção consular entre a Confederação Suíça e o Império do Brasil, importante instrumento diplomático que estrutura as relações diplomáticas entre o Brasil e a Confederação Suíça ao estabelecer regras e proteções para cidadãos de ambos os países que vivem ou exercem atividades no outro país. Jean-Jacques de Tschudi é o enviado especial da Confederação que assina a convenção consular com o Imperador Dom Pedro II no Brasil.

Esta convenção é composta por 11 artigos escritos em francês, seguidos de uma tradução para o alemão. “A Confederação Suíça e Sua Majestade o Imperador do Brasil – igualmente animados pelo desejo de fortalecer os laços de amizade que existem tão felizmente entre as duas Nações, bem como de dar às relações comerciais todo o desenvolvimento possível e a mais ampla proteção, reconheceram que, para atingir esse objetivo, um dos meios mais eficazes seria concluir uma Convenção especial para fixar e determinar de forma clara e definitiva os Direitos, Privilégios e Imunidades dos Conselhos, Vice-cônsules e Chanceleres” […] (anexo 7 1861, AF, Convenção Consular, arquivo digital Sylvie Doriot).

Seu impacto continua até hoje e dá profundidade histórica às relações diplomáticas e comerciais entre a Suíça e o Brasil.

Convenção Consular (AF).

1875 Realocação para a cidade de São Paulo é considerada por ocasião da mudança do vice-cônsul em Campinas, nomeação de Jacob Bolliger.
Em 1871, Georg G. H. Krug viajou para a Europa e nomeou o Sr. Jacob Bolliger, do cantão de Argóvia, como vice-cônsul. O Consulado-Geral no Rio de Janeiro não poderia, naquele momento, recomendar a transferência do vice-consulado no Estado de São Paulo de Campinas para a cidade de São Paulo, pois uma petição com 210 assinaturas “de compatriotas” solicitava a manutenção do vice-consulado em Campinas. Em 1875, após a morte de Krug, dois suíços de São Paulo apresentaram sua candidatura. A ideia de mudança foi, no entanto, abandonada devido à distância de São Paulo das principais colônias suíças, localizadas perto das plantações de café, e foi o suíço Jacob Bolliger que sucedeu Krug em Campinas.
1892 Transferência do vice-consulado da cidade portuária de Santos com a nomeação de Arnold Wildberger

Jacob Bolliger, do cantão de Argóvia, permaneceu como vice-cônsul até 1890, mas, tendo ficado quase cego, pediu para ser dispensado de suas funções. O Conselho Federal nomeia o Sr. Arnold Wildberger, de Schaffhausen, sócio do importante escritório suíço Auguste Leuba & Compagnie, como vice-cônsul da Suíça para o Estado de São Paulo, com residência em Santos. As comunicações eram mais fáceis do que em 1861, porque diferentes companhias ferroviárias atendiam a região de São Paulo de norte a sul, de leste a oeste; além disso, os suíços estão dispersos, de modo que Campinas não é mais um local adequado para a sede do vice-consulado da Suíça no Estado de São Paulo.

8)1880: Criação da “Associação Suíça de Beneficência Helvetia” de São Paulo e sua evolução até os dias de hoje

A Associação Suíça de Beneficência Helvetia foi criada em 1880, seguindo o modelo daquela do Rio de Janeiro, 59 anos mais velha, para ajudar os compatriotas suíços necessitados. O mais famoso de seus presidentes foi Alfred Schwegber, um dos seus fundadores. O cônsul suíço em São Paulo, Achille Isella, que serviu de 1908 a 1941, também contribuiu para o desenvolvimento desta instituição de caridade sem fins lucrativos.

Em 1913, foi adquirido um terreno no centro de São Paulo (Rua Barão de Itapetininga, 35) e ali foi construída uma Casa Suíça, juntamente com o Bar Rütli. Em 1926, criou-se um sanatório suíço-brasileiro na zona sul da cidade que, em 1962, foi transformado pelos 300 sócios da Sociedade, quase todos suíços, no Clube Esportivo Helvetia, que existe até hoje, abrigando uma “Casa Suíça” que se tornou um salão de eventos, e cujo terreno continua sendo propriedade da Sociedade.

Hoje, a Sociedade concentra suas atividades na administração de uma residência para idosos, o “Retiro Suíço”, no município de Campo Limpo Paulista, a 60 quilômetros da capital, em meio a uma grande área verde.

“Maison Suisse”, da Sociedade Suíça de Beneficência Helvetia de São Paulo, inaugurada em 1919.

Bar Rütli – Fonte: site Beneficência Suíça.

9)1890–1900: Novas colônias, a experiência do Funil

  1891- 1892: Colônia Nova Suíça e novo incentivo do Brasil à emigração 

Segundo o historiador Oberacker Junior, foi criada uma espécie de subsidiária da colônia Helvetia com o nome de colônia Nova Suíça, próxima à colônia Piracicaba.

Em 19 de março de 1891, uma nota, do Ministério do Interior em Paris para a Legação Suíça na França, foi enviada ao Conselho Federal para informá-lo de que “o governo dos Estados Unidos do Brasil” havia anunciado em uma circular que o Brasil estava incentivando a emigração pagando um bônus de 100.000 francos suíços às companhias de navegação que desembarcassem 10.000 emigrantes no país (AF 1891).

Um contrato do governo brasileiro, datado de 2 de agosto de 1892, com a Companhia Metropolitana de Emigração, sediada no Rio de Janeiro, tentou incentivar a emigração e receber um milhão de emigrantes da Europa. O Conselho Federal é informado por meio de seu Consulado em Bruxelas, que recebe uma tradução de Paris por meio de um jornal chamado “Le Brésilien/ O Brasileiro”.

  1897–1899: A experiência “Funil”, instalação de uma nova colônia suíça no Estado de São Paulo de imigrantes do cantão de Zurique, com o apoio do futuro presidente do Brasil, intervenção do Conselho Federal para impedir esta emigração. 

Uma outra colônia foi criada em 1898 pelo professor Johann Keller a partir do liceu de Hedigen, no cantão de Zurique, e 11 famílias suíças de Zurique e Argóvia se estabeleceram na colônia do Funil, que deu origem ao Núcleo Campos Salles (atual cidade de Cosmópolis, interior de São Paulo). Nos arquivos federais de Berna, uma nota manuscrita urgente, datada de 26 de agosto de 1897, responde à solicitação de 4 de agosto do cônsul Pedro de Castro Sodré, cônsul do Brasil em Genebra, que desejava recrutar colonos na Suíça para uma “colônia suíça modelo” no estado de São Paulo, a colônia do Funil. Entretanto, o Conselho Federal se recusou a conceder a autorização solicitada, citando leis de emigração que impedem agências de emigração de recrutar sem autorização formal do Conselho Federal. Essas agências teriam suas licenças revogadas e seriam encaminhadas aos tribunais cantonais se agissem sem autorização (AF 1897 Funil).

O cônsul do Brasil em Genebra, Sr. Sodré, apresentou esta colônia durante uma conferência nessa cidade, alimentando assim o desejo de emigração entre os suíços que participaram com interesse de mais informações. Entretanto, o Comissário Suíço para a Emigração, Sr. Ecuyer, escreveu ao Presidente da Confederação para denunciar esses fatos, porque muitas famílias, já pobres, seriam arrastadas para o desastre. Após essas cartas, o Sr. Keller foi preso, mas recebeu o apoio do cantão de Zurique e foi libertado. Keller também foi um dos três delegados da Associação Pionier-Verein/Pioneiros de Zurique, associação criada para a emigração para o Brasil, mas foi expulso ao retornar do Brasil “por ter querido negociar contra os interesses da comunidade”. Depois de várias reviravoltas, a companhia Danzas conseguiu deter em Marselha as bagagens dos futuros emigrantes para São Paulo e as famílias agradeceram ao Conselho Federal por se interessar por elas, impedindo-as de cruzar o Atlântico (AF Funil, 1897). 

  O apoio de Campos Salles, futuro presidente do Brasil, à colônia Funil

Dr. Campos Salles, nascido em 13 de fevereiro de 1841, em Campinas, futuro quarto presidente do Brasil, foi primeiro governador do Estado de São Paulo, onde estudou direito. Ele também estudou em Zurique, e teria interesse em promover a emigração de suíços e alemães para Funil.

Os três delegados da Associação Pionier-Verein/Pioneiros de Zurique, os Srs. Johann Keller, J. Zumstein, ex-fazendeiro no Chile, e R. Hertenstein, agricultor, partiram de Bremen para o Rio de Janeiro e Santos em 14 de janeiro de 1897. Após alguma relutância, as autoridades em Berna concederam a eles uma carta de recomendação, para que esta delegação fosse recebida pelo Cônsul-Geral do Rio de Janeiro, Eugène Emile Raffard.

O Vice-cônsul da Suíça para o Estado de São Paulo, Sr. Arnold Wildberger, informa ao Consulado-Geral no Rio de Janeiro que o Dr. Campos Salles, então ainda governador do Estado de São Paulo, deseja formar uma “colônia modelo com os suíços”. Campos Salles anunciou que cobriria todas as despesas de viagem dessa comissão e pagaria “uma certa quantia mensal às respectivas famílias”. Também facilitaria as formalidades alfandegárias para eles (AF 1899). A comissão foi, portanto, bem recebida em São Paulo pelo presidente daquele estado e pelos compatriotas suíços.

  A opinião favorável da Sociedade suíça de Beneficência ao projeto Funil

Em 17 de março de 1898, o Sr. E. Weismann, engenheiro e presidente da Sociedade Suíça de Beneficência “Helvetia” de São Paulo, fez um relato ao Vice-cônsul da Suíça em Santos, Arnold Wildberger, como acompanhante da visita da delegação de Keller, Zumstein e Hertenstein ao Funil. Ele estava entusiasmado com os planos para a colônia proposta e conta ao Vice-Cônsul que o Dr. Sodré, Cônsul-Geral do Brasil em Genebra, que esteve recentemente em São Paulo, se encontrou com o Presidente do Estado, Dr. Campos Salles. Ele queria falar com o Sr. Weismann, que expressou “uma opinião favorável sobre a colônia”. O Sr. Wildberger, Vice-Cônsul da Suíça para o Estado de São Paulo, também manifestou seu apoio, em 14 de abril de 1898, ao projeto Funil (AF 1899).

  Funil atrai também imigrantes suíços do Chile 

A notícia do projeto de “colonização do Funil” atraiu a atenção, segundo a reportagem de Henri Raffard, “não só dos suíços que vivem no Brasil, mas também dos nossos compatriotas que vivem no Chile”. O Consulado-Geral no Rio de Janeiro recebe pedidos de informação sobre o assunto e aconselha o cônsul suíço em Valparaíso, Chile, a alertar seus compatriotas sobre “a imprudência que seria deixar o certo pelo incerto” (AF 1899). Apesar de todos os esforços para impedir a emigração, o vice-cônsul da Suíça no Estado de São Paulo comunicou ao Consulado-Geral no Rio de Janeiro a chegada, pelo vapor francês “Les Andes”, que aportou em Santos em 4 de dezembro de 1897, de onze famílias compostas por 44 pessoas, com destino à colônia do Funil (AF 1899).

Projeto da 1ª sede do núcleo colonial Funil, de Jorge Kirchbaum, 1897 – Acervo Museu da Imigração do Estado de São Paulo/Arquivo Público do Estado de São Paulo.

 

  1899 Reclamações sobre as condições de vida na colônia Funil, que os suíços abandonam; o Consulado-Geral do Rio de Janeiro enviado para prestar assistência

 

Em 11 de fevereiro de 1899, o vice-cônsul suíço em Santos, Arnold Wildberger, informou que o nome da colônia de Funil acabara de ser alterado para colônia de “Núcleo Campos Salles”. O Consulado-Geral no Rio de Janeiro comunica o fato ao Departamento Político Federal (AF 1899).

Segundo o vice-cônsul Wildberger, que visitou a colônia, ele não ouviu reclamações dos colonos e aqueles que viu “estavam felizes com sua sorte” (AF 1899). Após algumas disputas entre os colonos, o chefe Johann Keller decide deixar Funil. Depois ele se tornou professor em uma fazenda não muito longe dali. A empresa ainda é muito jovem para afirmar que terá sucesso, segundo Wildberger, “mas é certo que ao visitá-la fica-se com a impressão de que o Governo do Estado de São Paulo está imbuído das melhores intenções e que não poupará despesas para concluir a obra iniciada” (AF 1899).

Entretanto, em 6 de maio de 1899, Wildberger relatou que a esposa do colono Hauser veio se apresentar ao vice-consulado para pedir um adiantamento em dinheiro para que ela e seu marido retornassem à Suíça. Ele perguntou o porquê deles deixaram Funil e ela respondeu que na colônia “era escravidão”. Nesta colônia, um administrador e intérprete brasileiro, que não falava nem alemão nem francês, ainda estava acostumado aos costumes do passado. Ele pensou que poderia tratar os colonos suíços como tratou os escravos em 1888: com um chicote! Os suíços lhe mostraram que, no mínimo, tinham punhos fortes. A partir daí, várias famílias decidiram deixar a colônia.

O Conselho Federal enviou um telegrama ao Cônsul-geral Raffard, que foi então encarregado de ajudar os “colonos infelizes” e, se necessário, facilitar seu repatriamento (AF 1899). As poucas famílias que ainda estavam em Funil durante a visita de Henri Raffard estavam “na mais triste situação” porque o Governo do Estado de São Paulo havia suspendido os adiantamentos de alimentos, outras, ao chegar em São Paulo, tendo vendido tudo para chegar ali, tinham pedido ajuda à Sociedade Beneficente Suíça Helvetia (AF Funil 1899, arquivos digitais de Sylvie Doriot).

A tentativa de colonização exclusivamente suíça acabou fracassando, o “Núcleo Campos Salles” recebeu alemães e austríacos vindos diretamente da Europa, depois suíços, alemães e austríacos que já estavam no Brasil há algum tempo.


Novos lotes em Funil e ferrovia, projeto de Jorge Kirchbaum 1914 com auxílio de Brito, chefe da seção técnica de São Paulo. Museu da Emigração, São Paulo, arquivo da autora.

Muito mais tarde, em 1929, o professor Johann Keller, fundador de Funil, organizou a “Cooperativa Agrícola Teuto—Brasileira”, que ajudou agricultores e pecuaristas de língua alemã no Estado de São Paulo. Johann Keller também desempenhou um papel importante como educador em São Paulo.

1889-1898: 10 mil suíços emigram para São Paulo, uma emigração mais industrial

Em seu longo relatório de 120 páginas sobre Funil, Henri Raffard conclui que o Estado de São Paulo é considerado o mais adequado para colonização no Brasil. Recebeu, portanto, muitos imigrantes, “sobretudo de nacionalidade italiana”, como mostra o quadro de imigrantes “italianos, portugueses, espanhóis, austríacos e outros”, com um total de 789.492 entre 1865 e 1898, sendo 566.812 italianos (Funil, 1899). Ele apresenta os números de emigrantes suíços, totalizando aproximadamente 10.800 pessoas que emigraram para o Estado de São Paulo entre 1889 e 1898, portanto em um período de dez anos. (Funil 1899).

A partir de 1895, a natureza da emigração suíça mudou. A onda de saídas de famílias agrícolas está dando lugar a imigrações vindas mais dos setores secundário (industrial) e terciário (serviços) da Suíça.